Quando sentimos
Deus presente em meio aos nossos sofrimentos somos capazes de passar e
enfrentar o que for, sejam adversidades, angustias, tribulações, doenças e
etc., pois sabemos que Ele é conosco e independente do que for, nEle teremos
força para prosseguir. Mas, e quando a situação muda? E quando estamos em meio
a terríveis provações e ao invés de sentirmos a mão de Deus nos consolando e
nos dando forças para prosseguir, sentimos como se o próprio Deus além de nos
estar rejeitando, está nos esmagando com Suas próprias mãos? E o pior é quando
isso acontece quando estamos levando uma vida de santidade e obediência a
Palavra dEle, rejeitando o pecado e se sujeitando a pessoa de Cristo. Será que
isso é possível? Será que é possível um verdadeiro eleito de Deus se sentir um
vaso de desonra e destinado à ira, mesmo não sendo? Bem, por pior que isso
possa parecer para alguns cristãos, isso não somente é possível como também
ocorre na vida de muitos santos ao longo da história. Um deles é o salmista do
Salmo 88. O Salmo 88 é conhecido como o Salmo mais triste da bíblia, diferente
de outros Salmos, este Salmo não termina com nenhuma nota de esperança ou
livramento da parte de Deus, a última palavra deste Salmo é “trevas”, o
salmista termina dizendo que todos os seus amigos e companheiros o haviam
abandonado, e que sua única companhia eram as trevas (Sl 88:18). Este é o único
salmo em todo o saltério que termina desta maneira.
Talvez alguns
digam: “ah, certamente o salmista estava sendo afligido por Deus por causa de
algum pecado que ele havia cometido.” – Certamente o salmista era um pecador
diante de Deus, assim como qualquer outro homem (Rm 3:23), porém, a palavra
“pecado” não aparece em nenhum lugar neste Salmo, diferente de outros salmistas
que atribuem a causa de seus sofrimentos a algum pecado que haviam cometido
(vide Sl 51, Sl 25:7, Sl 32 e etc), o salmista do Salmo 88 em momento algum diz
que a causa de seus sofrimentos advinham de algum pecado que ele havia cometido
contra Deus. E aqui vale ressaltar que nem todo sofrimento na vida de um filho
de Deus é consequência do pecado, muitos cristãos ao verem outro irmão ser
afligido por algum motivo, ao invés de consolá-lo e usarem de misericórdia, já
se aproximam com 5 pedras na mão, dizendo que tal sofrimento advêm de algum
pecado do mesmo, foi assim que os amigos de Jó fizeram (Jó 4:1 – 7:21) e é
assim que muitos ainda fazem nos dias de hoje. Os discípulos de Jesus ao encontrarem
um homem cego de nascença, perguntaram: "Mestre, quem pecou: este homem ou
seus pais, para que ele nascesse cego?" (João 9:2), Jesus os respondeu
dizendo: "Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a
obra de Deus se manifestasse na vida dele.” (João 9:3). “Amai-vos uns aos
outros” (Jo 13:34), é o que Deus nos instrui a fazer.
O salmista não
estava simplesmente passando por uma faze ruim que durava somente alguns dias,
muito pelo contrário, ele diz que as angústias e aflições que o afligiam o
acompanhavam desde sua mocidade (Sl 88:15), eram sofrimentos que vinham o
acompanhando por toda a sua vida, dia após dia. Dia e noite ele clamava a Deus
por socorro (v.1), e além de não receber nenhum tipo de socorro aparente da
parte de Deus, ou de sequer ter suas orações ouvidas, sob sua ótica, ele diz
que durante toda a sua vida, o único sentimento que sente vindo da parte de
Deus é o seu furor, ele ainda diz: “Puseste-me no abismo mais profundo, em
trevas e nas profundezas... tu me afligiste com todas as tuas ondas...” (Salmos
88:6-7).
Que terrível
experiência é esta! A de ser um verdadeiro filho de Deus, de levar uma vida no
centro de Sua vontade, e ainda assim sentir o céu fechado sobre sua cabeça, e a
ira de Deus sobre os seus ombros. Jó também experimentou isso, mas diferente de
Jó, o salmista não vislumbrou nenhum tipo de livramento visível da parte de
Deus, e provavelmente ele foi alguém que viveu toda a sua vida debaixo destes
conflitos, mesmo sendo um homem temente a Deus.
Não sabemos
exatamente a identidade deste salmista; sua autoria é incerta. Sobre isto, o
rev. Augustus Nicodemus diz o seguinte: “O Salmo diz que ele foi escrito por
Hemã, o Ezraíta, e diz que ele era dos filhos de Corá. Os filhos de Corá eram
uma das famílias de Levi que serviam a Deus no templo, eles eram levitas que
ministravam louvor a Deus no templo, com isto, vemos que este Hemã era alguém
consagrado a Deus e temente a Deus. As atribuições do salmo diz que se trata de
um salmo didático, ou seja, foi algo que ele escreveu para ensinar, então, era
alguém maduro o suficiente para entender que a experiência dele poderia ajudar
outras pessoas, e ele escreveu um salmo para ajudar outras pessoas, para
ensinar outras pessoas que estariam passando pelo mesmo sofrimento que ele
passou.” Ele diz ainda: “No livro de 1 Rs 4:31 está escrito que Salomão era
mais sábio que todos os homens, mais sábio do que Etã, ezraíta, e mais sábio do
que Hemã. E, se este Hemã se tratar do mesmo Hemã do salmo 88, só existia um
homem mais sábio que ele, o rei Salomão¹”. Veja também 1 Cr 2:6.
Não sabemos também
a causa exata do sofrimento desse homem de Deus, certamente, por se tratar de
um levita que servia a Deus no templo, seu sofrimento não estava relacionado
com a lepra, como alguns dizem, do contrário, ficaria impedido de ministrar no
santuário, como os versos do 10-12 dão a entender que ele fazia, pois, mesmo em
meio a tamanho sofrimento e se sentindo como alguém que havia sido rejeitado
por Deus, ao dizer que se via como alguém que estava contado entre os mortos
(v. 3-6), ainda assim ele louvava a Deus, falava de Sua bondade, Suas
maravilhas e Sua justiça (v. 10-12), e questionava ao SENHOR dizendo que se ele
fosse contado a morte e viesse a descer a sepultura, que proveito Deus poderia
ter nisso? Visto que os mortos não o poderiam louvar. Vemos com isto que, mesmo
o salmista se sentindo afligido pelo próprio Deus e debaixo do seu furor, ainda
assim ele O louvava e proclamava a Sua justiça diante dos homens. Que
maravilhoso exemplo!
Matthew Henry diz
o seguinte sobre isso: “As primeiras palavras do salmista são as únicas de
consolo e sustento deste salmo. Deste modo, os bons podem ser muito afligidos,
podem chegar a ter pensamentos desanimadores sobre as suas aflições, e chegar a
conclusões sombrias sobre o seu final, pela força da melancolia e fraqueza da
fé. Queixa-se principalmente do desagrado de Deus. Até mesmo os filhos do amor
de Deus podem pensar, às vezes, que são filhos da ira, e que nenhum problema
exterior pode ser tão difícil para eles como este.²”
William MacDonald
diz o seguinte em seu comentário: “E assim termina o mais triste dos
salmos. Para aqueles que não entendem a razão para esse salmo ter sido incluído
na Bíblia, leiam o testemunho de J. N. Darby. Em certo momento difícil de sua
vida, ele declara que esse foi o único texto da Escritura que o ajudou, pois
percebeu que alguém havia enfrentado tristeza tão profunda quanto ele. Clarke
cita, de uma fonte desconhecida: ‘Há apenas um salmo como esse em toda a
Bíblia, apresentando uma experiência tão rara; porém, trata-se do único salmo
que assegura ao aflito mais desesperado que Deus não o abandonará³’”.
Este salmo foi
escrito por um verdadeiro servo de Deus, que durante toda a sua vida
experimentou momentos de extremas angustias e terríveis aflições, e cremos que
é exatamente por isso que este salmo se encontra nas Escrituras. Deus nunca nos
enganou, o cristianismo que é apresentado por ai, que diz que se você vier para
Cristo todos os seus problemas serão resolvidos e você levará uma vida livre de
adversidades, é um cristianismo falso. A bíblia é muito honesta, ela relata os
sofrimentos daqueles que aceitaram a Cristo, que caminham com Deus, e que de
fato pertencem a Ele e que mesmo assim não são poupados de sofrerem neste
mundo. Jesus disse: “No mundo tereis aflições...” – Mas também disse: “Tende
bom ânimo, eu venci o mundo.” (João 16:33)
Que Deus em Cristo, através do sEu Espírito, nos ajude a concluir a honrosa e nobre missão de sofrer pelo sEu nome. (At 9:16)
Que Deus em Cristo, através do sEu Espírito, nos ajude a concluir a honrosa e nobre missão de sofrer pelo sEu nome. (At 9:16)
¹ - Parte extraída de uma mensagem do rev. Augustus sobre o salmo 88, na primeira igreja presbiteriana de Goiânia.
² - Texto extraído do comentário bíblico de Matthew Henry sobre o salmo 88
³ - Texto extraído do Comentário Bíblico popular do Antigo Testamento, de William MacDonald, ed. Mundo cristão, pag. 461
Por Hamilton Fonseca
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